sábado, 9 de outubro de 2010 22:02 Postado por Nenhuma Palavra
Alice olhava pro mundo de sua janela embaçada, da Rua São João, do sétimo andar, do apartamento 72. Estava embaçado e a vista se espremia por detrás dos óculos sem efeito. Os olhos estavam embaçados.


Ali, da rua São João, do apartamento 72, do sétimo andar, Alice queria ganhar o mundo, se enterrar no mundo, saltar para o mundo. Fazer parte do mundo. Mas as pessoas lá em baixo andavam como formigas num formigueiro, formigas famintas, procurando por comida, pelo maior acúmulo de comida. E... e elas não tinham mais fome, mas continuavam a caçar comida.


Comiam umas às outras, digladiavam-se no asfalto. Pisavam umas nas outras.

É... Alice pensou...tudo errado. Sempre esteve tudo errado...

Afinal, quando foi que deixamos de ver as pessoas como pessoas? Porque ali,naquela janela, naquele apartamento, naquela rua, pensar no próximo como uma pessoa parecia estar fora de moda. E mais! Parecia um crime!

Sim... porque você é o único ser humano que merece crédito. seu coração dizia para o mundo. - Céus! Um deus na terra! A merda do seu umbigo sujo vale mais do que qualquer coisa, não é mesmo? Por isso você age deste modo imbecil, por isso você não valoriza a porcaria da pessoa que está do lado. Por isso você celebra o seu fracasso todas as noites com vodka e cerveja. Porque é isso o que você é. Um fracassado. Um fracassado de merda tentando se auto-afirmar.

O coração de Alice se apertou... ela não queria mais pensar. Era inevitável.

Por isso não importa o que você tenha que fazer. Você quer auto-afirmação. Você quer provar que você não é um derrotado, um humilhado, um nada. É nisso que seu mundo nos transforma... em um nada. Porque não importa quem está do seu lado, não importa o que esta pessoa esteja dizendo. Não importa se é agradável ou não. O que importa é que ela se encaixa nos padrões, que esteja no seu sonhozinho imbecil de consumo. Isso. Porque você é consumista, você não conhece pessoas, você as coleciona. As consome. E eu, Alice, acho isso nojento.

A ânsia do mundo subiu até a garganta e ela se afastou da janela aterrorizada... Céus... o que seu cérebro pensava fazia todo o sentido. Sim... Então ele apenas continuou:

E em nome da auto-afirmação você não liga a mínima pra essa coisa-pessoa que é consumida. Você apenas a consome. Não importa, não é? Não importa o que ela pensa, não importa o que sente, não importa se se sente otária, se é feita de palhaça. Não importa se ela tem os mesmos traumas que você... não importa quem ela é, simplesmente não importa. Você quer diversão. Foda-se se seu objeto de divertimento não goste disso. Afinal, ele não é como você, não é? Ele não é humano. Foda-se o que ele sente.


Viva a sua vida? Carpe Diem?

Vai tomar no cu!

Alice fechou a janela com força, jogando os óculos no sofá velho e secando os olhos com raiva.


Ela simplesmente não consegue ser assim. E talvez também seja essa otária, essa palhaça, essa pessoa-coisa. E mesmo que não queira que seja assim, simplesmente não consegue não ver uma pessoa como uma... uma pessoa. E é duro que seja assim...


É duro ser uma coisa.


É... triste...

Então Alice desaba, deita no sofá, grita, morre só mais um pouquinho... Ninguém ouve. Não importa se Alice morrer, ela seria rapidamente substituída.

Esquecida.


Ora... ela já é substituída e esquecida.

Faz alguma diferença?

Não.

“Faça...” –ela escuta. “Faça...”

Mas você não vai saber se ela o fez. Sequer vai saber se Alice algum dia existiu. Porque você está ocupado demais com sua cerveja, ocupado demais com sua vodka, com seu trabalho, com sua roupa, com sua comida, com seus homens e suas mulheres, ocupado demais com a porra do seu baseado, com seu crack, com a merda do seu vicio. Ocupado demais se isolando, só pra reclamar que está sozinho. Você está ocupado demais com você pra se importar com quem quer que seja.


Então você não viu Alice partir... Você sequer viu Alice.


E eu posso não saber de muitas coisas. Aliás, eu não sei de quase nada. Mas sei que não era Alice quem deveria morrer... Não, de jeito nenhum!

Quem deveria morrer, leitor, certamente, é você.





E eu? Eu sou só o cérebro partido de Alice.

Por isso, tenham uma ótima e solitária noite no puteiro do mundo.



Por "Aline DeMarco".

5 Response to " "

  1. Unknown Says:

    O homem é como o cavalo que usa proteção para não olhar ao seu redor... a diferença é que o homem não precisa de uma proteção física. Afinal, se a chuva não molha minha cabeça, pra que existem guarda-chuvas, certo?

  2. Anônimo Says:

    Caralho velho! Você tem a incrível capacidade de fazer qualquer um se sentir um merda, mas é verdade. As pessoas são mesmo substituídas, talvez não tão facilmente, afinal cada um é cada um, mas as cópias, os posers, os puxa-sacos tão por aí pra preencher a falta.

  3. Unknown Says:

    Mais 1 post notável..nada passa desapercebido ou incompreendido qndo vc escreve..é único:a forma como vc passa a emoçao..vai entrando na mente, mto foda..!

    pra vc: HOUSE


    (postei pra ele :] )

  4. Unknown Says:

    GENIAL!
    Jabor é sempre Jabor, né?! =)

    tudo verdade! hsauhsauhaushushau

    mandou bem, line!!!!

  5. Luiz Carlos Says:

    simplesmente foda ;D

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